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Setor de games no Brasil movimenta R$ 13 bilhões por ano, mas ainda sem uma política nacional adequada – CartaCapital

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O Brasil continuará a ser um grande consumidor, enviando bilhões para o exterior, ou aproveitará seu potencial para se tornar um dos principais centros de criação de jogos?
É inegável a relevância econômica de um setor que movimenta 200 bilhões de dólares ao redor do globo, tornando-se o principal setor de entretenimento e mídia do século XXI. Movimentando mais do que o cinema e a indústria fonográfica, os games estão se tornando cada vez mais centrais nas estratégias econômicas das principais economias do mundo, e o Brasil – que movimenta 13 bilhões de reais e fatura 1,2 bilhão de reais por ano -, desponta com a oportunidade de se tornar um dos protagonistas nesse setor. O que mais falta para o nosso País olhar para a indústria de jogos digitais? 
Segundo a consultoria Newzoo (2023), o Brasil é o décimo maior mercado de games do mundo, com mais de 100 milhões de jogadores que gastaram 2,7 bilhões de dólares em 2022. A perspectiva é que os jogadores brasileiros gastem perto de 3,5 bilhões de dólares até 2025, em uma taxa de crescimento médio acumulado de 10% ao ano desde 2020. Principal mercado da América Latina, e segundo maior mercado do Sul Global, atrás apenas da China, ainda há muito espaço para crescer. Com gasto anual médio de apenas 62,3 dólares por usuário pagante, o jogador brasileiro gasta menos da metade da média do consumidor europeu e um quinto do jogador norte americano. Enquanto representamos mais de 3% dos jogadores de todo o mundo, ainda somos apenas 1,5% do mercado consumidor mundial. Com os padrões de consumo brasileiro se aproximando da média dos países ricos, o Brasil tem potencial em saltar para a sexta colocação global em consumo, ultrapassando o Reino Unido.
De um mercado consumidor pujante e crescente, surge uma emergente cena de criação de jogos nacionais, que vêm se multiplicando de forma vertiginosa na última década. A estimativa da Pesquisa da Indústria Brasileira de Games da Abragames é que, entre 2014 e 2018, o número de desenvolvedoras tenha crescido cerca de 167%, e entre 2018 e 2022, estima-se que o crescimento tenha sido de 152%. No começo da década tínhamos em torno de 150 empresas de games, em 2018 nos aproximamos de 400 e em 2022 ultrapassamos as barreiras de 1000 empreendimentos.
Se o País possui tanto potencial para o setor, porque ainda não estamos cobrando uma política nacional para o desenvolvimento do mercado de jogos eletrônicos no Brasil? O que para muitos foi, durante muitos anos, simples “brincadeira de criança” se transformou em uma indústria multibilionária capaz de chamar a atenção do establishment político nacional das nações do centro do capitalismo global para sua relevância na obtenção de divisas, criação de empregos de qualidade e, claro, na construção de um soft power que possa superar as fronteiras nacionais dos países criadores de jogos – do famoso encanador italiano Mario, criado pela japonesa Nintendo até o herói Gerald, da aventura multimídia The Witcher, da polonesa CD Red Projekt.
O entretenimento é apenas a ponta do iceberg nas oportunidades econômicas do setor. O que torna o jogo digital único em relação às demais formas de entretenimento é a sua capacidade de gerar imersão, empatia e conexão com o usuário, por meio da inerente interatividade que os universos gamificados podem gerar. Utilizando esse conceito dos jogos, os metaversos emergem como tentativas de outros ambientes de interação colonizarem dimensões da vida das pessoas: da interação social ao ambiente de trabalho. Muito além do mercado doméstico dos videogames de entretenimento, as aplicações de tecnologias interativas para as áreas da educação e da medicina valem alguns bilhões de dólares. 
O setor de jogos eletrônicos – que representa a fronteira entre a ciência, a tecnologia, a inovação, a cultura, a saúde, a educação, a geração de emprego e renda – no entanto, só pode ser compreendido, do ponto de vista da sua produção, a partir de uma visão de “setor estratégico” para o País. Foi assim onde isso deu certo.
Os principais pólos da indústria de games, que concentram bilhões de dólares de faturamento, foram planejados com políticas públicas. Seja com isenções fiscais, estímulos tributários ou políticas de indução ao desenvolvimento, não há desenvolvimento do setor de games sem indução efetiva e atuação do Estado como parceiro.
O Canadá se tornou um polo de produção que emprega 200 mil pessoas e gera 3 bilhões de dólares para o PIB do país após créditos fiscais que subsidiam entre 17,5% e 40% os salários dos trabalhadores dessa indústria. Um total de 1.640 jogos foram produzidos no Reino Unido com um desconto tributário de 20% em cima do gasto para produção de jogos em território britânico. Esses jogos geraram um investimento de 4,4 bilhões de libras no país. 
Na União Europeia diversos países apoiam o setor com seus esquemas de fomento cultural, audiovisual e empresarial. A França, que fomenta o setor desde 2007, avaliou que a cada euro investido no setor, foram captados 8 euros em investimento privado e retornou 1,8 euro em impostos para o país. Seguindo esse exemplo, o governo alemão lançou em 2023 um fundo anual de 78 milhões de euros para financiar o desenvolvimento de jogos. 
A Finlândia, país com população menor do que a cidade de São Paulo, tornou-se uma das capitais globais da indústria de games, produzindo hits como o Angry Birds, da Rovio, após um pesado investimento. Entre 2004 e 2016, foram 100 milhões de euros em empresas de jogos, enquanto o volume de negócios acumulado da indústria foi de cerca de 8,5 bilhões de euros. A maior empresa de jogos finlandesa em termos de volume de negócios, a Supercell, pagou sozinha 622 milhões de euros em imposto de renda corporativo entre 2012 e 2016. Um estudo local indicou que os investimentos públicos no desenvolvimento de jogos geram receitas fiscais pelo menos 20 vezes maiores. A indústria dos jogos tem sido, portanto, um investimento altamente lucrativo para o Estado finlandês.
Esses exemplos só nos demonstram o óbvio: indústrias como a dos jogos eletrônicos – na qual o volume de investimento é alto, o tempo de maturação do produto é longo e o retorno é incerto – demandam a ação do Estado como indutor do processo de investimento. No Brasil, algumas políticas já apontam esse resultado. Cada real investido em ações de missão comercial pelo estado de São Paulo para o setor de jogos, por exemplo, apresentou retorno de 20 reais. O investimento na indústria de games não é um gasto a “fundo perdido”. Esses exemplos apontam que o Estado como investidor se torna política estratégica fundamental para darmos um “game over” nas dificuldades de disputa em um mercado global. 
Aqui, dois exemplos são importantes: alguém tem dúvidas da necessidade de participação do Estado na produção automobilística? Ou mesmo no setor do agronegócio? São segmentos da economia nacional que empregam milhares de pessoas e movimentam bilhões de reais. Tal qual fazem os games. Por que devemos permanecer investindo somente em áreas tão tradicionais e deixando de posicionar o Brasil na economia criativa, global, inovadora, limpa e geradora de empregos de qualidade? A quem interessa o retrocesso?
Hoje, o País é responsável por 1,4% do mercado de consumo global de jogos, mas corresponde a somente 0,1% do mercado mundial de produção de jogos. A soma dessas posições nos leva a uma conclusão óbvia: numa área em que a criatividade e o talento artístico imperam, estamos sendo exportadores de recursos para empresas globais, quando temos plena capacidade de inverter esta posição e ser protagonistas em desenvolvimento.
O que nos falta? Segundo demonstra a última pesquisa anual do mercado produzida pela Associação Brasileira de Desenvolvedores de Jogos, não é capacidade técnica. 93% dos estúdios brasileiros cria Propriedades Intelectuais próprias, sendo estas para serem jogadas nas principais plataformas do mundo (38% Mobile / 20% Computadores / 17% consoles). Além disso, as empresas brasileiras sabem atuar em toda cadeia de produção e de serviços, indo da gamificação à programação, dos jogos de tabuleiro ao roteiro, dos jogos de treinamento à propaganda e publicidade.
A comparação entre o que temos feito enquanto Nação, nossa (falta de) plano estratégico para o setor e o que as nações citadas anteriormente fazem deixa claro o que nos falta: um olhar organizado, orquestrado entre governo, sociedade civil, academia e empresariado para que possamos, finalmente, passar de fase. Se países muito menores que o Brasil conseguiram um lugar de destaque nessa grande prateleira virtual, por que temos de nos colocar portadores do discurso daqueles que só querem apequenar nossa Nação e nosso mercado? O Brasil vai continuar sendo um grande consumidor de games, enviando bilhões de dólares para o exterior, ou aproveitará seu potencial para se tornar um dos principais centros de criação de jogos digitais do mundo? A quem interessa que os atores do setor não dialoguem e não promovam uma ação coordenada para, finalmente, vencermos esse desafio?


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